quarta-feira, outubro 03, 2012

Pessoas são presentes

O dia começou tumultuado. A Juju esqueceu um trabalho da escola em casa, precisava entregar hoje e eu moro longe de onde ela estuda e muito longe de onde trabalho – do lado oposto ao da escola. Eu tinha duas opções: simplesmente ignorar sua necessidade e seguir o meu caminho, já que eu também tenho minhas obrigações, ou parar tudo e socorrer alguém muito necessitada.

Normalmente eu sempre socorro, mas vou reclamando e isso acaba com o meu dia. Fico brava, dirijo no desespero e deixo um “detalhe” acabar com o meu dia. Mas não hoje. Algo mudou em mim desde que li o livro Encantadores de Vidas. Nada como ver a grandeza dos outros para enxergar a pequenez de nós mesmos.

Estou começando a olhar as pessoas sob outro prisma. Pessoas são lindas, pessoas são bênção, pessoas são resposta, pessoas são o que há de mais precioso neste mundo. E eu sou tão especial que Deus me confiou três para cuidar. É acreditar muito em mim mesmo me dar pessoas!

Deus olhou para o homem e disse: "Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda" (Gn 2:18). Não sei se Adão estava deprimido, desanimado, se ele já tinha descoberto que precisava de uma companhia. Quem disse que não é bom estar só foi Deus e não Adão. E deu a ele um presente: uma mulher.

Ter cônjuge é um presente. Estar casado é mágico. Ontem mesmo disse ao meu marido que uma das coisas de que mais gosto no casamento é de ter alguém para dividir a cama. Não me importo se a televisão está ligada, se a luz está acesa, mas me importo muito com a cama vazia.

As pessoas têm-se isolado cada vez mais. Temos a falsa impressão de sermos populares, possuirmos muitos amigos por causa da Internet, mas, na verdade, aqui na frente do nosso computador, estamos sós. É preciso desligá-lo, sair, conversar cara a cara com os amigos, cultivar relacionamentos. Pessoas são canais de cura. “Assim como o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro” (Pv 27:17). Como é que o ferro afia o ferro? Com o atrito. Mas sabe o que acontece depois que está afiado? Fica melhor. Como é fácil cortar com uma faca afiada e como é trabalhoso com uma sem corte! Em outras palavras, as pessoas são capazes de nos tornar cada vez melhores, mesmo que o façam no atrito.

Deus deu a Abraão muitas coisas. Ele era riquíssimo. Foram tantos os bens que amealhou que ficou impossível conviver com seu sobrinho Ló, a quem Deus também abençoou grandemente. Mas era grande a sua sensação de vazio. Faltava-lhe o complemento ideal: uma pessoa, um filho.

Ah, os filhos são o mel na nossa boca. Os meus me fazem ficar muito brava alguns momentos, mas passa logo. Na maioria das vezes, me fazem rir, me fazem babar, me tornam mais terna. Hoje mesmo abracei e beijei os dois logo de manhã. Que delícia! Eles são o melhor trabalho do mundo.

Ninguém é bom ou mau por si mesmo. As pessoas agem conosco como agimos com elas. Gentileza gera gentileza. Aridez gera aridez. “A resposta calma desvia a fúria, mas a palavra ríspida desperta a ira” (Pv 15.1). Se você considera seus filhos um problema, assim eles se tornarão. Mas experimente mostrar a eles como são queridos, amados, desejados e veja o que acontece. Tenho certeza de que ficará surpreso. Suas emoções afetam os outros e até mesmo a sua saúde. Não posso deixar de escrever aqui o que estou aprendendo com o Nuno Cobra no livro que estou lendo:”Você tem de se convencer de que a emoção é a rainha da vida. O seu estado emocional influi diretamente no funcionamento do organismo, mostrando a enorme importância de “direcionar” as emoções para viver em equilíbrio (...). Então uma coisa puxa outra: bem-estar provoca mais bem-estar e mal-estar aumenta o mal-estar”.

Sinceramente, não era sobre nada disso que pretendia escrever, mas não vou deletar o que já escrevi aqui. Talvez alguém precise ler isto para acertar o rumo da família ou o rumo da própria vida. E antes de terminar quero contar uma experiência muitíssimo dolorosa de um pai.

Certo homem muitíssimo rico tinha um filho extraordinário, uma pessoa realmente superior a todas as demais. Ele era lindo, amável, educado, sensível, perdoador, amoroso. Vivia em plena harmonia com seu pai. Era tudo o que um pai pode querer.

Um dia, esse filho se apaixonou por alguém. Como todos os pais, o que se podia esperar é que a escolhida estivesse à altura do pretendende. Se assim fosse, ela teria que ser realmente muito especial. Mas isso não era verdade. O filho a amava muito, muito, sem medida. Não lhe exigia nada, jamais era ríspido, jamais se irritava com ela, mesmo diante de suas malcriações, nunca devolveu mal por mal. Mas ela não era digna desse amor.

Enquanto esse filho preparava seu casamento, a eleita abusava dele com outros amantes. E não era um só; eram vários. Era grosseira frequentemente. Deixou sempre muito claro que queria o que ele tinha a oferecer e não a ele próprio. Mas isso não importava. Jamais se deixou influenciar por suas más ações. Ele era forte de caráter, seguro, estável. Ela não era capaz de mudá-lo para pior, mas também não lhe permitia mudá-la para melhor.

E o pai? Bom, se fôssemos nós, certamente daríamos um jeito de impedir essa união. Falaríamos tudo o que soubéssemos, colocaríamos diante de ambos todos os impedimentos possíveis. Mas seu pai resolveu apaixonar-se junto. Ele entendia que a vida para ela tinha sido dura, que a única coisa capaz de mudá-la seria o amor, que ninguém mais além de seu filho desejaria resgatá-la. Assim ele incentivou seu filho a amá-la profunda e intensamente, a ponto de morrer por ela se necessário fosse. E foi. O Pai chorou, o Filho sofreu e Nós continuamos com a opção de aceitar ou não esse amor, corresponder ou não a ele.

Deus poderia olhar para nós, Seus filhos, e dizer: “melhor exterminá-los, eles não têm jeito” – quantos não disseram algo parecido sobre seus filhos, seus sogros, seu cônjuge, alguém da família! Mas fez diferente: “meu amor vai ser suficiente para ajudá-los a serem melhores para si mesmos e para os outros e não vou obrigá-los a aceitar-me; venha quem quiser”.

Somos um presente para Deus. Ele nos vê como a coroa da criação, como filhos amados. “Preciosa é à vista do Senhor a morte dos seus santos” (Sl 116.15) porque é a hora em que temos a oportunidade de estar onde Ele está.

O amor só é amor quando dá aos outros a possibilidade da escolha, quando não obriga, não se impõe, não força a barra, não sufoca, não cobra... Quem ama perdoa, quem ama deixa ir, quem ama liberta, quem ama não faz exigências, quem ama ama. Quem ama vive melhor! O amor é a essência de Deus, o amor é a essência da vida. E o alvo do amor sempre são as pessoas, mereçam ou não.

Quem semeia amor mais cedo ou mais tarde vai colher, afinal, como disse Pero Vaz de Caminha: “Em se plantando, tudo dá”...



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